segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O Padeiro


       Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do apartamento - mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais de véspera sobre a "greve do pão dormido". De resto não é bem uma greve, é um lockout, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.
       Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. E enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:
       - Não é ninguém, é o padeiro!
       Interroguei-o uma vez como tivera a idéia de gritar aquilo?
       "Então você não é ninguém?"
       Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada, ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não, senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém...
       Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como pão saído do forno.
       Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes julgava importante porque no jornal que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; "não é ninguém, é o padeiro!"
       E assobiava pelas escadas.
       (Texto: O Padeiro de Rubem Braga. Rio, maio, 1956)

1) Lock-out (Lê-se locaut) é uma palavra inglesa que indica um tipo especial de greve. É possível descobrir que tipo de greve é essa a partir do texto?

2) O narrador não tinha informação precisa sobre a greve dos patrões. Quais expressões que comprovam essa afirmativa?

3) Com que finalidade o padeiro gritava que não era ninguém?

4) Essa fala "Não é ninguém, é o padeiro!", segundo o narrador da idéia de:
a) grande auto-estima
b) auto-desvalorização
c) auto-promoção
d) baixo auto-estima

5) O fato de não se considerar uma pessoa, não foi idéia do próprio padeiro, mas sim de outros profissionais tão desvalorizados quanto ele. Que tipo de profissional é esse?

6) Esse auto-rebaixamento na sociedade por parte do padeiro, não lhe causa nenhuma tristeza ou constrangimento. Transcreva a expressão do texto que comprova essa afirmativa.

7) O narrador também é muito modesto ao se comparar com o padeiro. Por quê?





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